Acabei de voltar de uma viagem e gostaria de compartilhar minhas emoções com vocês. A viagem foi de sete dias. Estavam presentes, eu, meus filhos, meu pai e minha mãe. Meu marido não pode ir devido ao trabalho. Fomos para a cidade da minha mãe, uma cidade de praia, local onde tenho família, primos e tios. Para mim, os dias anteriores à viagem já foram bem complicados. Eu fiquei extremamente ansiosa, com medo e receio de quase tudo. Como conseguiria seguir meu plano alimentar? Como conseguiria me manter em recuperação? Como ficar tantos dias perto da minha mãe e do meu pai sem estresse? Como aguentar sem meu marido por perto? Como dizer para minha família que não quero comer tantos bolos, pizzas, sururus, camarões, cuscuz, etc? E se eu não conseguisse malhar nenhum dia? Como conseguiria comer de 3 em 3 horas tendo que ver meu corpo de biquíni todos os dias? Dá para perceber que eu estava apavorada, né?
Então, a viagem não foi apavorante como eu imaginei. Aos poucos fui desmistificando certas crenças. Consegui superar muitos medos e curtir vários momentos. Isso foi libertador. Talvez um dos aspectos mais gratificantes da viagem tenha sido o meu contato com meus pais e a análise que pude fazer sobre o nosso relacionamento. Bom, fazia dez anos que eu não conversava com meus pais sobre meu transtorno alimentar. Eles nunca mais haviam me perguntado como eu estava e eu nunca havia mais dito nada a respeito. Isso me deixava extremamente magoada, mas ao mesmo tempo eu achava conveniente, uma vez que eu não me sentia “cobrada” para que eu mudasse minha atitude em relação ao meu problema.
Durante a viagem resolvi abrir meu coração. Contei para eles como eu estive nos últimos 10 anos (pois eles conheciam apenas meu TA durante os 10 anos em que vivi com eles). Contei como eu comia compulsivamente e vomitava todas as refeições. Que eu não havia parado e nem diminuído desde que eu saí da casa deles, pelo contrário, que as compulsões haviam aumentado e que a intensidade das crises era de 5 a 8 vezes por dia, todos os dias.
Contei também sobre a minha mudança de comportamento nos últimos 60 dias e minha luta pela recuperação. Falei sobre as informações e inspirações que encontrei na internet. Falei que estava seguindo um plano alimentar feito por uma nutricionista (com 3 refeições e 3 lanches, sem vômitos!!!). Confessei que ainda tinha compulsões uma vez ao dia, quase todos os dias, que o processo ainda seria longo e que eu sabia disso, mas não iria desistir, estava confiante. Falei sobre as pessoas e grupos online que eu havia encontrado e que estavam me ajudando muito. Falei do blog, etc...
Escolhi um momento apropriado para conversar com cada um deles, de forma separada, pois minha relação com cada um deles é bem diferente. Bom, no primeiro momento os dois tiveram a mesma reação, ficaram apenas calados, escutando, atônitos. Acho que a palavra mais positiva que ouvi foi “que bom”. Nossa... No começo, fiquei arrasada. Quase arrumei uma desculpa para ir ao supermercado mais perto, me empanturrar de comida e vomitar toda a minha frustração. Mas decidi que antes de comprar a comida, eu iria tentar meditar, tentar pensar, e se ainda estivesse me sentindo mal, sim, eu comeria tudo na minha frente e vomitaria... (este não é o meu conselho para ninguém, esta é apenas a forma como eu pensei). Deu certo!!!
Meditei, me acalmei, depois tentei avaliar o que estava acontecendo e percebi que a minha frustração estava diretamente ligada a minha expectativa. Eu imaginei que ao falar com meus pais eles iriam agir comigo da forma como vemos as coisas acontecendo em filmes: iríamos nos abraçar, chorar, conversar durante horas, eles iriam pedir desculpa pelo tempo que não estiveram “presentes”, eu iria pedir desculpa pelos meus erros, enfim... imaginei um conto de fadas, risos. Criei expectativas e expectativas são uma merda.
Saindo da situação, e me vendo de fora do “filme”, consigo entender o motivo dos meus pais ficarem calados. Eles simplesmente não sabiam o que fazer. Eles estavam com medo e eles têm direito a ter medo!!! Medo de falar qualquer coisa que pudesse de alguma forma atrapalhar meu processo, medo de que eu pudesse acusa-los de não dizer a coisa certa. Tenho certeza que eles sofrem por me ver sofrendo. Eu preciso respeitar o sofrimento deles e a forma como eles lidam com o meu problema. Sempre fiquei muito chateada quando eles não me respeitaram, mas, e eu estava respeitando eles? Eles têm o jeito deles, cada um tem sua própria limitação, seus próprios sentimentos, seus próprios medos.
Naquele momento, entendi que eles estavam felizes por mim, e ficar calado, ou quase calado, era o jeito que eles encontraram para me proteger, ou para protegerem a eles mesmos. Lembrei tanto da música do Legião que diz “Você culpa seus pais por tudo, isso é um absurdo! São crianças como você, o que você vai ser quando você crescer?”. Acho que entender isso foi libertador!!! Não precisei ir ao supermercado. Fiquei bem.
Essa conclusão me deixou aberta para que eu e meus pais conversássemos em várias outras ocasiões da viagem sobre a minha trajetória, um pouquinho de cada vez, de forma bem natural. Aos poucos percebi que eles estavam bem felizes com meu processo. Deixei as expectativas de lado. Não foquei meus ouvidos nas frases ou conselhos que me desmotivam, inclusive, consegui até dizer para eles, de forma não acusatória, que certas frases, para mim, não me faziam bem, e que eu estava escolhendo meu próprio caminho e seguindo meu coração. Se eu tivesse ido ao supermercado, talvez, seriam mais 10 anos de silêncio, acusação, culpa e ressentimento.